Por que sou contra o Dia Mundial Sem Carros

Segunda-feira que vem é o Dia Mundial Sem Carros. A criação de um dia assim já aponta um dos vilões do mundo moderno, o automóvel. Essa máquina suja, poluente, causadora de estresse e infartos no trânsito pesado das grandes cidades. Essa fonte imensa de despesas, endividamentos e multas. Esse assassino, responsável por uma quantidade vergonhosa de mortes nas estradas todos os anos, especialmente no Brasil. Enfim, esse malefício imenso à humanidade. Ele é tão ruim que até alguns fabricantes, enredados nessa onda de responsabilidade social, já começam a propor um uso racional de seus veículos, como caronas. Deviam também se propor a parar de fabricá-los e entrar para o ramo dos cigarros, talvez menos nocivos. Mas eu não os vejo assim. Aliás, aproveito a chance para defender esses pobres bodes expiatórios de aço e plástico sem voz. Em suma, eu amo os automóveis, o que eles representam e gostaria de explicar por quê.

O ser humano sempre teve a necessidade de se mover, de ampliar seus horizontes, e o fazia de forma limitada, a pé, até descobrir que podia subir em um lombo de boi ou de cavalo e ir um pouco mais longe. Depois, descobriu que dava para juntar dois ou mais cavalos e usar uma carroça para ir ainda mais longe. Para quem acha que isso resolvia a poluição, vale a leitura de um excelente texto do mestre José Luiz Vieira sobre Londres e a poluição. Havia tanta merda de cavalo nas ruas que os problemas respiratórios eram a maior causa de mortes na capital britânica. A média de vida não passava dos 39 anos.

Eis que Karl Benz aplica um motor a combustão a uma dessas carroças e leva o homem a um novo estágio de mobilidade, a uma capacidade multiplicada de vencer o tempo e as distâncias, a uma renovada e sempre crescente condição de conforto, segurança e agilidade. Pouca gente se lembra, mas a indústria automotiva é uma das que mais rapidamente se aperfeiçoam, que com mais velocidade se reinventam e se melhoram, como mostra o Volt.

De todo modo, o mal do homem é sempre querer tirar o corpo fora de suas responsabilidades e apontar um vilão, qualquer um. Não é a falta de uma política pública de ocupação de espaços a responsável pelo trânsito caótico; é o carro. Não são as criações de gado e a construção civil as responsáveis pela imensa emissão de gás carbônico que agrava o efeito-estufa; são os veículos. Não é a corrupção na emissão de carteiras de motorista, a inadequação dos exames de habilitação e a irresponsabilidade ao volante que causam as mortes no trânsito. É o maldito do automóvel.

O que se fala sobre a verticalização acelerada das grandes cidades, já superlotadas?Nada, mas é uma lei da física: se num quarteirão moravam 50 pessoas e, anos depois, passam a morar 8.000, é natural que as vias se entupam de carros, assim como as calçadas, cinemas e shoppings se entopem de gente.

Quando o trânsito pára por automóveis quebrados, por que ninguém fala no envelhecimento da frota, causado pelos preços obscenos pagos por um automóvel no Brasil? Todo dono de um carrinho velho, mal conservado e poluente sonha com um modelo mais novo, mais seguro e mais limpo, mas não consegue comprá-lo.

Se um transporte coletivo eficiente fosse a resposta para todos os problemas, Tóquio não teria agentes de luvinhas brancas empurrando seus 28 milhões de habitantes para dentro de vagões de metrô como se fossem sardinhas. Deve haver uma densidade populacional saudável, recomendada pela OMS, para que a vida seja melhor. Se não há, é uma recomendação que falta.

Tudo isso representa nossa hipocrisia, nossa velha mania de achar que a consequência é a causa dos problemas. Corremos atrás do próprio rabo, como sempre, em vez de fazer uma análise inteligente dos problemas, uma que realmente se proponha a resolvê-los.

É irracional ter uma pessoa só em veículos com cinco, até sete lugares? Já estão surgindo veículos fechados menores, como o Toyota iQ, o smart fortwo e até um modelo brasileiro, o Pompéo, que logo estará à venda (e sobre o qual falarei em breve). Os veículos deveriam ser mais racionais? A Loremo já está criando um automóvel leve para quatro pessoas que faz até 67 km com 1 l de diesel e prepara a versão elétrica do bicho. O petróleo está acabando? Já existem carros com células de combustível rodando, como o Honda FCX Clarity, e carros elétricos viáveis prestes a chegar às lojas, fora o etanol, que só devolve à atmosfera o carbono que já existia ali. Em todas essas situações, o carro já está apresentando soluções que passam por ele mesmo.

Não me venham, portanto, com essa estupidez de um Dia Mundial Sem Carro. Não abro mão do que ele é e representa: a conquista maravilhosa de uma mobilidade acessível, quase ilimitada, confortável, conveniente, segura e autodeterminada. Ainda que ele se torne elétrico, individual, eletrônico, sei que ele continuará a ter no mínimo três rodas, um volante e a disposição para me levar onde eu quero e preciso ir. Gostaria eu de ter expressado o que o carro representa tão bem quanto José Rezende-Mahar o faz nesse vídeo sobre antigomobilismo:



É por essas e outras que o automóvel continuará a ser meu companheiro diário de viagem, um membro permanente da vida moderna, a não ser que se descubra uma forma mais segura, confortável e conveniente para eu me deslocar. Teletransporte, por exemplo.

Em lugar do Dia Mundial sem Carro, proponho o Dia Mundial sem Gente, uma idéia tão idiota quanto. Afinal, se o carro foi apontado como o vilão de problemas nos quais ele é mero coadjuvante, não há de demorar para que o homem vá para o mesmo posto, como os soldados do Esquadrão Suicida da Judéia, no filme "A Vida de Brian", que se matam em vez de tomar a atitude correta para a solução do problema que combatem.

Para ficar numa idéia realmente válida, proponho o Dia Mundial sem Hipocrisia. Quem sabe com ele tenhamos a seriedade necessária para olhar todas as questões preocupantes com o nível necessário e correto de informação. Isso é requisito mínimo para que tomemos decisões acertadas, sem alimentar factóides e idéias publicitárias vazias que podem soar válidas para a massa, mas que só atrasam a real solução dos problemas.